Jurisprudência

Garantia contratual não expira quando produto tem vício oculto
Garantia contratual não expira quando produto tem vício oculto

 

A DELL Computadores do Brasil LTDA. deverá substituir notebook que, com um ano e meio de uso, apresentou problemas. Em decisão unânime, a 10ª Câmara Cível do TJRS impôs à empresa indenização por danos morais no valor de R$ 3,5 mil. O cliente adquiriu o equipamento e viu-se privado de usá-lo por problemas apresentados, caraterizando-se vício oculto do produto, ou seja, defeito ignorado na compra e manifestado somente com o decorrer do tempo.

Mediante a garant! ia de que teria assistência técnica no Brasil, o comprador adquiriu o notebook durante o período em que realizava pesquisa acadêmica como bolsista na Suíça. Passado o prazo de garantia, de um ano, a tela do computador passou a ficar escura, dando a impressão de estar queimada. A Dell recusou-se a resolver o problema, alegando que a garantia já havia expirado.

Conforme o relator do recurso, Desembargador Luiz Ary Vessini de Lima, a contagem do prazo estabelecido no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se dá a partir da ciência do vício. Quando de fácil constatação, a partir do recebimento do produto.

Ressaltou que se tratando de vício oculto, o problema aparece “com a utilização do bem no curso do tempo”. E concluiu que “em se tratando de um notebook, bem de preço considerável, inadmissível que apresente problemas em tão pouco tempo de uso, máxime passados apenas seis meses do término da garantia contratual”.

Acrescentou que caberia à ré comprovar que o defeito inexistiu ou decorreu de mau uso do equipamento e de! terminou a substituição do computador por outro de características semelhantes, “na medida em que não usou da faculdade de consertar o equipamento”.

A sessão ocorreu em 8/6, com a participação dos Desembargadores Paulo Antônio Kretzmann e Jorge Alberto Schreiner Pestana.

Proc. 70014858997 (Luciana Trommer Krieger)


RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPUTADOR. VÍCIO OCULTO. GARANTIA LEGAL. PRAZO NÃO EXPIRADO. SUBSTITUIÇÃO DO BEM. DANO MORAL CARACTERIZADO.
A contagem do prazo decadencial estabelecido no artigo 26 do CDC se dá a partir da ciência do vício, quando o defeito está oculto. Em se tratando de computador, bem de considerável durabilidade e valor financeiro, inadmissível que apresente problemas com apenas um ano e meio de uso. Não tendo a ré demonstrado a inexistência do defeito que tenha ocorrido por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, deve substituir o bem por outro de características semelhantes. Os transtornos sof! ridos pelo autor que adquiriu bem de elevado valor econômico e viu-se privado de seu uso até a presente data, em face do problema em questão, geram danos morais, cujo valor vai arbitrado de acordo com as peculiaridades do caso concreto de modo a atender o caráter pedagógico e reparatório da medida.
APELO PROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70014858997 COMARCA DE PORTO ALEGRE
WELLERSON MIRANDA PEREIRA APELANTE
DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos. 
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA.
Porto Alegre, 08 de junho de 2006.


DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA, 
Relator.

RELATÓRIO
DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)
WELLERSON MIRANDA PEREI! RA ajuizou ação de obrigaçãode fazer c/c indenização por danos morais em face da DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA., sustentando que teve recusado o serviço de assistência técnica que solicitou, junto à requerida, para solucionar problemas ocorridos em julho de 2005 no computador que adquiriu, em dezembro de 2003, da referida empresa. 
A sentença, às fls. 103/106, julgou a ação improcedente, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 300,00 (trezentos reais).
Em razões de recurso, às fls. 111/112, diz que a sentença deve ser reformada. Alega que seu pedido encontra respaldo na jurisprudência, porque não é razoável que após um ano e meio de vida útil do notebook, tenha expirado a garantia. Salienta os danos advindos da impossibilidade de o autor utilizar seu instrumento de pesquisa. Requer o provimento do apelo.
Em contra-razões, às fls. 117/127, a ré refuta as articulações esposadas no recurso, pugnando pelo! seu não provimento. 
Subiram os autos.
O processo foi submetido à revisão.
É o relatório.
VOTOS
DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)
Eminentes Colegas! Entendo que a r. sentença deva ser revertida.
Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais decorrentes de vício oculto existente em computador adquirido pelo autor.
Narra o último que, no período em que realizava pesquisa acadêmica na Suíça como bolsista, adquiriu um notebook junto a DELL daquele país, mediante a garantia de que teria assistência técnica no Brasil. 
O equipamento foi adquirido em dezembro de 2003, tendo garantia contratual de um ano, portanto, até dezembro de 2004. Ocorre que, em julho de 2005, a tela do computador passou a ficar escura, dando a impressão de estar queimada, tendo o demandante buscado o conserto do equipamento junto a ré, que não quis cobrir o dano porque a garantia já havia expirado.
Cabe ressaltar aqui o que dispõe o artigo 50, caput, do CDC:

Art. 50. A garantia contratual é! complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

Nesta senda, verifica-se, no caso concreto, que a garantia dada pela fabricante inegavelmente já se havia expirado. Cumpre, então, verificar se ainda estava assegurada aquela conferida por lei.
Sabe-se que a contagem do prazo estabelecido no artigo 26 do CDC se dá a partir da ciência do vício. Quando de fácil constatação, a partir do recebimento do produto.
O problema ocorre quando se trata de vício oculto, que somente aparece com a utilização do bem no curso do tempo. A esse respeito, convém destacar os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, ao comentar o dispositivo legal em questão:

Se o vício é oculto, porque se manifesta somente com o uso, a experimentação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu termo inicial; segundo o § 3º do art. 26, é a descoberta do vício. Somente a partir da descoberta do vício (talvez ! meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dia s.
Será, então, a nova garantia legal eterna? Não, os bens de consumo possuem uma durabilidade determinada. É a chamada vida útil do produto. Se se trata de videocassete, por exemplo, sua vida útil seria de 8 anos aproximadamente; se o vício oculto se revela nos primeiro anos de uso há descumprimento do dever legal de qualidade, há responsabilidade dos fornecedores para sanar o vício. Somente se o fornecedor conseguir provar que não há vício, ou que sua causa foi alheia à atividade de produção como um todo, pois o produto não tinha vício quando foi entregue (ocorreu uso desmensurado ou caso fortuito posterior), verdadeira prova diabólica, conseguirá excepcionalmente se exonerar... ¹

Note-se, no caso em comento, que o computador foi adquirido em dezembro de 2003, apresentando problemas em julho de 2005, isto é, apenas um ano e meio depois da sua aquisição. Ora, em se tratando de um notebook, bem de preço considerável, inadmissível que apresentasse problemas em tão p! ouco tempo de uso, máxime passados apenas seis meses do término da garantia contratual.
Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. CONSUMIDOR. DEFEITO DO PRODUTO. VÍCIO OCULTO. PRAZO E DECADÊNCIA. EXEGESE DOS ARTIGOS 18, § 1º, II, 26, II, § 3º E ARTIGO 50 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A garantia contratual, determinada pelo próprio fornecedor e de acordo com a sua conveniência, é complementar à garantia legal, consoante a exegese do artigo 50 do CDC. No caso, o vício oculto foi constatado quando expirada a garantia contratual. Todavia, a contagem do prazo decadencial da garantia legal somente teve início com a verificação daquele e, portanto, ao tempo do ajuizamento da demanda, não havia transcorrido o lapso legal previsto no artigo 26, II, § 3º da legislação consumerista. De outra banda, não merece acolhimento o pleito de indenização por danos materiais e morais, por ausência de efetiva comprovação neste tocante. APELO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível Nº! 70011639291, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 20/10/2005).

Caberia à demandada, portanto, comprovar que o defeito inexistiu ou decorreu de mau uso do equipamento pelo consumidor, o que aqui não ocorreu.
Incontroverso, portanto, que a ré deve resolver o problema do autor, substituindo o computador por outro de características semelhantes, na medida em que não usou da faculdade de consertar o equipamento prevista no artigo 18, §1º, do CDC, quando instado extrajudicialmente.
Quanto aos danos morais, tenho por caracterizados, já que decorrentes de todos os transtornos sofridos pelo autor que adquiriu bem de elevado valor econômico e viu-se privado de seu uso até a presente data em face de problema ocorrido, como já dito, com pouco tempo de uso se considerada a durabilidade esperada. 
Considero a capacidade econômica das partes, a extensão do dano e a reprovabilidade do ilícito, que influenciam para o arbitramento da indenização, que deve atender ao seu caráter ped! agógico e reparatório.
Considerados esses parâmetros dentro das peculiaridades do caso concreto, arbitro os danos morais em R$ 3.500,00, que devem ser corrigidos monetariamente pelo IGPM a partir desta data e acrescidos de juros legais desde a citação.
Caberá à ré o pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência que arbitro em R$ 800,00, nos termos do artigo 20, §4º, do CPC.
Por todo o exposto, manifesto-me por PROVER ao apelo.

É como voto.


DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN - Presidente - Apelação Cível nº 70014858997, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: VOLCIR ANTONIO CASAL

¹ MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 1022 e 1023.

 

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul