Jurisprudência

Abandono do lar tira direito sobre propriedade da

Abandono do lar tira direito sobre propriedade da casa
 

A pessoa que abandonar a família e não voltar em até dois anos perderá o direito sobre o imóvel onde morava. Lei que entrou em vigor em 16 de junho deste ano cria uma sanção patrimonial para quem abandona o lar. 

A regra vale só para imóveis urbanos de até 250 m2 e quando a pessoa que deixou o lar não registrar seu interesse futuro na propriedade. 

Pela mudança no Código Civil, após dois anos do abandono, o cônjuge ou companheiro deixado para trás se torna proprietário da residência mesmo que ela esteja em nome do outro. 

Antes, não havia regra específica. A Justiça costumava não ver usucapião [adquirir uma propriedade pelo tempo de posse] nessas situações. 

"Isso é comum em São Paulo. A pessoa vem do Nordeste, se separa, volta pra lá e desaparece. O problema é que o juiz só partilhava o imóvel do casal e não permitia o usucapião", diz o defensor público Luiz Rascovski. 

"NÃO TE AMO MAIS" 
Abandonada pelo marido há seis anos, a desempregada Iracema Maciel dos Santos, 59, diz esperar que a nova regra dê resultado para regularizar a casa em que mora no bairro Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo. Seu companheiro terminou um relacionamento de 33 anos e voltou para o Ceará. 

"Você acorda e a pessoa te diz "eu não te amo mais, estou indo embora'", lembra. 

O imóvel foi adquirido do irmão de Iracema em nome do casal e, por isso, a Justiça queria chamar o ex-companheiro para fazer a partilha. 

Iracema precisou pedir uma carta ao ex-companheiro na qual ele afirma não ter mais nenhum interesse no imóvel. Tudo isso para tentar convencer o juiz a passar a residência para o seu nome. 

O processo de Iracema corre há cerca de dois anos sem que haja uma decisão final. 

"Nós compramos a casa com um contrato de gaveta e não transferimos a escritura. Ele [ex-companheiro] chegou para mim e disse: "Já que não tem papel, se vira com isso aí'", conta Iracema. 

Agora, com a nova regra do Código Civil, o caso deverá ser agilizado na Justiça. 

A desempregada teve ajuda da Defensoria Pública de São Paulo, que atende em média 30 casos de abandono de lar por semana na cidade. 

"É comum recebermos história de sujeitos que ficam tão perturbados que vão embora e largam tudo para trás", diz Rascovski. 

A nova regra foi aprovada no meio de um pacote de normas para o programa Minha Casa, Minha Vida. 

Advogadas divergem sobre consequências das mudanças na lei 

A nova lei segundo a qual o abandono de lar por dois anos tira o direito sobre a propriedade da casa reacendeu o debate a respeito da seguinte questão: a Justiça deve ou não punir o culpado pela separação de um casal? 

A ex-desembargadora e hoje advogada Maria Berenice Dias diz que a "boa intenção" do legislador que fez as mudanças no Código Civil acabou em "desastre". 

Segundo ela, a nova regra só vai acirrar as disputas no término das relações. 
"Estamos trazendo uma coisa que já foi superada -ter de provar a culpa na separação. Tem muita mulher que sai de casa de tanto que apanhou. E tem homem que deixava a mulher no imóvel que agora vai pensar duas vezes em sair", afirma. 

Outros especialistas discordam."Essa norma foi importante para mostrar que os deveres do casamento existem e que seu descumprimento pode gerar consequências punitivas", diz a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, segundo quem a culpa de uma das partes pelo fim da união deve, sim, ser alvo da Justiça. 

Com essa nova modalidade de usucapião, advogados recomendam tomar precauções na hora das separações. 

"Casais terão que preferencialmente fazer um acordo por escrito antes da separação para que o juiz não interprete que houve abandono", diz o defensor público de São Paulo Luiz Rascovski. 

Para ele, a forma mais simples é comunicar por carta registrada a intenção de dividir o imóvel no futuro. 

Mas Tavares alerta que, para evitar configuração de abandono de lar, o mais indicado é formalizar rápido a separação na Justiça. 

LUCIANO BOTTINI FILHO 
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA